Feminismo é amor

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Sim. Para mim, feminismo é amor.

É comum que a palavra feminismo seja associada à raiva, à luta. E faz sentido que seja. Mas, para mim, o que o feminismo promove é algo anterior a isso. Mais profundo que isso.

Eu já sentia raiva antes do feminismo. Essa raiva vinha do fato de que muitas necessidades muito básicas minhas – de liberdade, de segurança, de respeito, de cuidado, de justiça – não estavam sendo atendidas em inúmeras das minhas interações. E do medo de que jamais o fossem. E da sensação de impotência diante disso.

Eu sempre fui a “arrogante”, a “briguenta” (leia-se: mulher assertiva). Então eu achava que não tinha raiva represada. Que comigo era bateu-tomou, que eu resolvia as coisas na hora e deu.

Mas daí eu conheci o feminismo. E me dei conta de todas as violências que eu passei uma vida escondendo de mim mesma que havia sofrido.

Quando eu falo das “violências que eu passei uma vida escondendo de mim mesma que havia sofrido”, estou me referindo a todos aqueles atos que eu me senti muito mal de receber; que, na minha percepção, negavam a minha humanidade. E que eu por tanto tempo fingi que tudo bem eles terem acontecido, dizendo para mim que era o jeito que as coisas eram. Que fazia parte. E fiz de conta que nem doeu tanto assim. Eu contava sobre alguns em tom de piada, aliás, rindo aquele riso vazio, oco, que a gente ri sem alegria.

Por quê? Porque eu sentia vergonha de ter sofrido com aquilo. No fundo, eu achava que eu deveria ter algo em mim para merecer ser tratada daquela forma. E, se não era algo que eu tinha feito, então talvez fosse algo em quem eu era. Que aquele era o meu lugar no mundo.

Não passava pela minha cabeça me revoltar contra isso. Eu teria me revoltado, se fosse a história de outra pessoa – como tantas vezes de fato me revoltei por outrem, uma revolta que só ia até o ponto em que eu não me reconhecia na outra pessoa. Porque, se eu olhasse para ela e visse a mim mesma, não conseguia mais empatizar com ela.

E isso, por quê?

Porque eu não me amava. Eu não sei dizer se realmente me odiei, assim, em absoluto, em algum momento. Senti, sim, muito ódio de mim muitas vezes. Ódio do meu corpo, do meu rosto, meu nariz. Ódio do meu jeito de ser. Da minha voz. Eu acho que nunca quis ser outra pessoa, mas eu sei que quis ser uma versão diferente de mim mesma. Uma versão que, na minha cabeça, pudesse receber amor, cuidado, respeito. Porque eu achava que o jeito de receber essas coisas era mudar a mim mesma. Que tinha algo de fundamentalmente errado comigo para eu não tê-las.

O que o feminismo fez foi me mostrar que não.

Pela primeira vez entretive a noção de que eu não era um ser estruturalmente inadequado, que merecesse passar por aquelas coisas, lidar com aquelas coisas e suas tantas outras manifestações no dia a dia. De que, talvez, eu fosse digna de defesa. De cuidado. Por mim mesma.

Por mim mesma.

E, assim, aos poucos, eu comecei a sentir mais amor por mim. Comecei a me aceitar mais como sou, a cada dia em que sou. Comecei a ser capaz de empatizar mais comigo mesma à medida em que me via espelhada nas outras mulheres com quem empatizava. E comecei a (re)conhecer as mulheres ao meu redor, sem a crença interior tóxicas de que fossem minhas inimigas, sem querer me vingar de mim mesma nelas.

E, desse amor, a revolta nasceu. A raiva aflorou. Tanta raiva. E me dei conta de que muita raiva que eu sentia e achava que era de outras coisas, no fundo vinha disso. Porque as coisas que a gente esconde da gente não vão embora. Nada se perde, nada se cria, tudo se transforma – e funciona assim dentro da nossa cabeça também, a meu ver. Toda aquela raiva que estava dentro de mim, contida, guardada, escondida, na verdade estava o tempo todo borbulhando e eclodindo em cada ocasião que tinha oportunidade de fazê-lo.

E, sim, houve momentos em que eu fiquei muito pouco tolerante com o que percebesse como violência – agora que eu finalmente via o meu balde cheio, qualquer gota me fazia transbordar… e eu me permitia transbordar. Mas ver o balde cheio foi o que me ajudou a esvaziá-lo. Ainda tem muita coisa lá dentro, claro. Mas tem bastante que já evaporou.

Ao me permitir sentir a minha raiva, o feminismo me libertou dela. Antes, eu era mais dela; hoje, é ela é mais minha. E eu me sinto mais capaz de escolher a forma como vou lidar com ela.

O mesmo amor que me faz levantar contra quem age de forma a ferir quem eu amo, hoje me faz levantar por mim mesma, seja com raiva ou não.

E amar a mim mesma me permite hoje amar a outras pessoas com muito mais aceitação e entrega, o que me traz muito mais satisfação nas minhas interações.

É por isso que, para mim, feminismo, em seu aspecto mais básico, mais fundamental, é amor.

Orgulho

***Originalmente publicado em Revista Fórum, em 3 de dezembro de 2015.

Ocupação

de https://www.cartacapital.com.br/educacao/ocupacao-escolar-e-momento-de-aprendizagem

Estou emocionada com as ocupações que estão ocorrendo nas escolas de São Paulo. Creio que não estou sozinha nesse sentimento.

Muitas das ocupações têm um tom anarquista e anarquizante, revolucionário inclusive do ensino e da forma de aprender. Uma das postagens mostrava uma sala de aula reorganizada, com as carteiras em círculo, as pessoas livres para escolher o que querem aprender, quando e como.

Me encanta que a revolução do ensino possa partir des alunes e não des professores e demais profissionais da área da educação. Faz tanto sentido! A libertação não como algo concedido pela parte opressora, mas como algo conquistado pela parte oprimida. A poesia disso me faz sorrir enquanto escrevo.

No entanto, tenho visto muitas pessoas expressarem sua emoção dizendo que sentem “orgulho” dessas pessoas jovens. O que é esse orgulho? O que é sentir orgulho?

Dando um google, a primeira definição que encontramos é esta:Captura de tela de 2015-11-30 15:38:41

Tem como a gente se orgulhar de algo que outra pessoa fez?

Eu já vi uma pessoa falar que tem orgulho de descender de não sei quem que fez não sei quê. Daí perguntei a ela: e você? Fez o quê? E ela não soube me responder.

Eu não vejo problema em nos orgulharmos daquilo que consideramos serem nossas conquistas. Mas me parece estranho a gente se orgulhar das conquistas de outras pessoas. Porque elas não são nossas. A gente pode estar junto, a gente pode ter testemunhado, mas, se não participamos delas, elas não são nossas.

Então, eu sinto que essa coisa de dizer que se tem “orgulho” de outra pessoa ou de algo que ela fez é uma forma de a gente se apropriar do mérito que é dela. Falar como se tivéssemos participação nele.

Eu amo mes filhes. Mas não sinto orgulho deles, porque não são coisas que eu fiz. São pessoas. Menos ainda me orgulho das coisas que eles fazem. Porque as coisas que eles fazem são feitas por eles, não por mim. Não me cabe orgulhar-me delas. Posso admirá-las, posso ficar feliz por elas, posso vibrar com elas, posso torcer para que dêem certo, posso apoiá-les. Mas orgulhar-ME delas não faz sentido para mim.

Voltando às ocupações nas escolas, temos muito a aprender com esses estudantes. De alunes, se tornaram nosses mestres. E há pessoas que estão tendo dificuldade de lidar com ver gente tão jovem fazendo coisas que elas muitas vezes não conseguiram articular em uma vida inteira de militância. Então vem a necessidade de desmerecer esse movimento, ou se apropriar dele de alguma forma.

De um lado, aparecem críticas ressentidas, expondo e ressaltando falhas e ignorando as inúmeras coisas boas e lindas que estão acontecendo. De outro, aparece o orgulho condescendente da pessoa adulta que, diante da pessoa jovem que a supera, passa-lhe a mão na cabeça e diz “muito bem”, como se o intuito devesse sempre ser o de obter sua aprovação.

Menos orgulho. Mais admiração.

Vai chorar?

***Publicado originalmente na Revista Fórum, em 22 de abril de 2015

Eu sempre peço a mes filhes para que observem as reações de outras pessoas quando interagem com elas. Particularmente, eu tento ensiná-les a observar as pessoas – de qualquer idade – com quem brincam para verem se a pessoa está também se divertindo, ou se, pelo contrário, está irritada ou triste. E sempre digo que brincadeira só é brincadeira se todo mundo está feliz com ela. Do contrário, não é brincadeira, é agressão.

Isso, para mim, é tão óbvio que me choca a quantidade de pessoas adultas que não têm essa noção. Que gostam de encher o saco alheio por esporte, mesmo quando não têm nada contra a pessoa a quem estão provocando.

Considero isso bizarro. Ninguém gosta de ser irritade. Por que fazer isso com alguém de quem gostamos? De onde vem a necessidade de causar um sentimento que reconhecemos como mau em alguém a quem supostamente queremos bem?

Por que faz parte da nossa demonstração de carinho, de amizade, de amor, estragar um momento de convivência que poderia ser muito mais legal sem isso?

Quando fazem com a gente é chato. Às vezes, mais que chato, doloroso, horrível mesmo. Pessoas que amamos e admiramos caçoando, debochando da gente, se divertindo com o nosso mal-estar. Mas a gente se força a “levar na esportiva”, para não passar por pessoa sem senso de humor, mal-amada, que não sabe brincar, que “apela”. Mesmo porque, já que a motivação é justamente o nosso destempero, quanto mais nos enervamos, mais divertida fica o bullying a brincadeira e mais motivo ainda as pessoas têm para continuar com ela.

Só que existe uma diferença entre saber rir de si mesmo e engolir seus sentimentos para conseguir a aprovação dos outros.

A gente aprende desde cedo a ter vergonha de sentir, porque sentir é fraqueza e mostrar que doeu é mostrar pontos fracos. Temos vergonha de de chorar, de ficar com raiva. Bonito é ser “cool”, não ter emoções, ou melhor, não demonstrá-las, porque não temos como não tê-las. Aparentar frieza enquanto fervemos por dentro.

Creio que seja por isso que fazemos o mesmo com outras pessoas. Tentamos aliviar o nosso ressentimento reprimido causando ressentimento em outras pessoas. Passamos de vítimas a algozes.

Crianças, como sempre, são alvos fáceis: elas não têm para onde correr e dificilmente conseguem conter explosões emocionais. As pessoas adultas se deliciam assustando crianças, frustrando-as às lágrimas. Quando questionadas, muitas dizem que o fazem não é nada demais, que estão “só enchendo o saco”, que “criança chora à toa”. O gaslighting de costume.

Não é verdade. Criança chora porque está se sentindo mal a ponto de chorar, assim como qualquer ume de nós, adultes. É só que nós já estamos calejades, nossos referenciais são outros, sabemos controlar nossas reações. Isso não quer dizer que a dor dela não seja real, ou legítima, mas que a nossa foi reprimida ou relativizada dentro da gente.

Alice Miller, em seu fantástico “O Drama da Criança Bem Dotada” (que não é um livro sobre crianças superdotadas, a tradução do título foi muito infeliz), fala longamente sobre os efeitos deletérios do deboche e ridicularização adultistas sobre suas vítimas. Recomendo vivamente a leitura desse livro que, em algumas poucas páginas, alcança e trata tantas feridas na nossa alma.

É brincadeira? Então todo mundo tem que estar bem com ela. Senão, é violência. Simples assim. Que tal lidarmos com as nossas neuroses ao invés de repassá-las a outrem?

Atravessando a rua

***Publicado originalmente na Revista Fórcum em 16 de abril de 2015

Ela estava passeando a pé com seu pai. Ao atravessarem uma avenida movimentada, viu que um que carro se aproximava e parou, no meio do caminho. O pai, que estava desatento, primeiro avançou, daí avistou o perigo (tudo isso em fração de segundo) e não apenas decidiu continuar ao invés de parar, como pegou na mão dela e a puxou, ordenando: “vamos!”

Instintivamente, ela puxou a mão de volta, dizendo “não!” Ficaram, assim, num cabo de guerra no meio da avenida e quase foram atropelades.

Mais tarde, discutindo exasperadamente a respeito, ele disse que ela havia errado, porque não havia confiado nele. Ela argumentou que foi uma questão de autopreservação, não de confiança, que ela teria agido daquela forma fosse ele quem fosse. Ainda assim, assim ele passou vários dias brigado com ela, ofendidíssimo.

Agora, o detalhe que torna essa história tão especial: ela já era uma mulher adulta quando isso aconteceu. Já havia atravessado em sua vida mais ruas e avenidas do que poderia contar; há tempos dominara a não tão sutil arte de evitar carros ao cruzar uma via em que eles se movimentam. Não havia qualquer necessidade para a intervenção dele.

O que me abismou nesse relato não foi nem o fato de ele ter tomado uma decisão arriscada e tentado impô-la à filha, mas a falta de autopercepção dele: não foi ela que não confiou nele; foi ele que não confiou nela. Foi ele quem não confiou que ela fosse digna de confiar em si mesma, em seus próprios instintos, quem não confiou que ela fosse capaz de decidir por si mesma que atitude tomar. Foi ele quem presumiu que ela precisava que ele dissesse a ela quando andar e quando parar. Mesmo estando ao lado de uma mulher adulta, agiu como muitas pessoas agem em relação a crianças pequenas, como se suas impressões não fossem confiáveis.

O problema da superproteção é que ela comunica à criança (ou mesmo ae filhe já adulte, como no caso) exatamente essa falta de confiança na capacidade dela de se virar sozinha. Não raro, com o tempo, essa falta de confiança é introjetada, absorvida, pela criança, e ela própria passa a não sentir segurança em si mesma. Afinal, as pessoas de maior referência na vida dela não parecem sentir, não é?

Eu entendo a necessidade de proteger a quem se ama, mas, quando essa proteção passa por cima dessa pessoa, de sua vontade, de suas próprias decisões, acabamos, mesmo que sem nos darmos conta, adentrando a esfera do controle. Porque estamos partindo do princípio de que sempre sabemos mais e melhor. Não aceitamos que ela faça por si mesma suas escolhas, porque, no fundo, não acreditamos que ela seja capaz disso, e daí tentamos forçá-la a escolher o que nós queremos.

Não raro, ainda, quando ela se nega, tratamos isso como ingratidão, como se, “depois de tudo o que fizemos por ela” ela nos devesse algo que só pode ter um nome: obediência. E sentimos que qualquer coisa além disso é insubordinação, porque, no fundo, nos vemos como ses eternes superiores hierárquices.

Com relação a crianças, então, essa tendência se acentua. Não apenas porque a criança, de fato, precisa de ajuda, orientação, e proteção em diversos momentos e de diversas formas diferentes (e, às vezes, usamos isso para justificar a nossa imposição sobre elas mesmo quando não haveria essa necessidade), mas porque temos poder praticamente absoluto sobre elas. Efetivamente temos como forçá-las a se submeterem à nossa vontade, e a nossa sociedade adultista inclusive espera isso de nós, nos incita a tanto. O que nos leva a, muitas vezes, nos sentirmos no direito de fazê-lo.

Quando a nossa necessidade de proteger se torna desrespeito, não há proteção, há controle. Autoritarismo. Ingerência. E tudo isso é destrutivo para a autoestima de quem sofre essa intervenção, como, aliás, toda forma de desrespeito costuma ser. Podemos acabar matando mais que salvando.

De que vale o nosso amor se ele não respeita?


*Meus agradecimentos à Cris, que foi quem me contou essa história! =)

“Honrar pai e mãe”– como o adultismo supera a idade

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O adultismo é a opressão da criança pela pessoa adulta. Ele parte de uma visão que desconsidera a criança como ser humano, impedindo que o indivíduo adultista empatize com ela. Ele pode até achá-la fofinha, pode “gostar de criança”, mas da mesma forma como gosta de gatos, cachorros, canários… Não existe nele, pela criança, o mesmo respeito que ele tem pelas pessoas adultas.

Eu vi num texto do Alfie Kohn uma citação que achei perfeita, de Magda Gerber: “Muitas coisas horríveis foram feitas em nome do amor, mas nada horrível pode ser feito em nome do respeito.”

Tanto se acredita que as crianças não merecem respeito que hoje vemos um Senado unido pelo “direito” de humilhar crianças. Ou seja, não querem apenas o “direito” de agredi-las fisicamente: consideram um acinte que lhes seja negado pisotear a dignidade de ses filhes quando bem entendem.

Claro que há pessoas que ainda defendem que isso é necessário para a extirpar o mal que existe na criança, para torná-la boa. Mas sabemos que, no fundo, o que se pretende é continuar podendo transferir o próprio sofrimento para quem não tem como se defender.

Muita gente acha o adultismo algo válido justamente por que um dia poderemos passá-lo adiante, como um trote de faculdade (que também me parece ser baseado numa espécie de  Síndrome de Estocolmo): você sofre hoje, daí se torna parte do grupo e passa a defendê-lo, porque, inclusive, amanhã será a sua vez de fazer sofrer a quem chega.

O negro sempre será negro, a mulher sempre será mulher, a pessoa LGBT* sempre será LGBT*. Mas a criança um dia será adulta. E daí poderá ser adultista com crianças como a que um dia ela foi. Ou seja, ao invés de impedir que outras pessoas passem pelo que ela passou, fazendo por elas o que não pode fazer por si mesma, ela poderá se colocar na posição de agressor, “vingando-se” ao impor a outrem a mesma dor que sentiu. Assim, ela não estará sozinha, tudo fará parte de um ciclo, tudo será justificado e necessário e ela não precisará pensar a respeito, sentir raiva, tristeza, indignação. É só soterrar tudo embaixo do “agora é a minha vez!”

Mas o adultismo não some depois que a gente cresce.

Aprendemos desde cedo a “honrar pai e mãe”. Não é só algo religioso, é algo que permeia toda a nossa cultura. Alice Miller falava disso, do quanto esse pedestal em que se colocam os pais nos impede de entrar em contato com nossos sentimentos e reconhecer nossas dores, como se fazê-lo fosse um sacrilégio. Nos obrigamos a perdoar e esquecer, afinal, são nossos pais. Eles estão acima do bem e do mal e nós só lhes devemos a nossa gratidão. Como se fosse um favor cuidar da criança que nós escolhemos criar.

Esse processo de silenciamento nos faz muito mal, gerando diversos desdobramentos psíquicos e inclusive físicos. Muitas vezes, o trauma sofrido causa menos dano do que o silêncio a respeito dele.

Além disso, para muitos pais es filhes jamais crescerão. Eu uma vez ouvi de um britânico uma história que ilustra bem isso: um dos veterinários mais bambambam do Reino Unido foi visitar a fazenda de seus pais. Chegando lá, disseram-lhe que um dos animais estava doente e ele resolveu dar uma olhada. Enquanto ele examinava o bicho, sua mãe apareceu e soltou a pérola: “não está na hora de chamarmos um veterinário de verdade?”

Pois é. A pessoa cresce, se torna adulta, mas continua sendo vista como “criança”: incompetente, inepta, sem dignidade.

Não se espera que de ninguém a tolerância à violência, ainda que “apenas” verbal e psíquica. Mas, a partir do momento em que se estabelece que a parte agressora é um pai, uma mãe, de repente, a gente tem que ser compreensivo, paciente. Tem que entender. Muites suportam absurdos porque “papai é assim mesmo” ou “é o jeito da mamãe”.

Por que o tratamento digno não é exigível justamente das pessoas de quem mais poderíamos esperá-lo? Por que mantemos em nossas vidas indivíduos que nos tratam de uma forma que não admitiríamos de mais ninguém?

Crianças aprendem pelo exemplo. Não basta que as respeitemos e exijamos que nos respeitem quando permitimos que outras pessoas nos desrespeitem diante delas. Especialmente no contexto de um relacionamento em que se diz haver amor (qualquer que ele seja).

Eu quero que mes filhes cresçam sabendo que são, como todas as demais pessoas no mundo, dignes de respeito simplesmente por existirem. Inclusive o meu.